domingo, 17 de junho de 2012

12- Capítulo Doze


2011
A vida continuava tomando o seu rumo ao meu redor e por mais que eu sempre tivesse mantido os meus olhos focados em Sally, dessa vez tudo parecia sem controle. Eu simplesmente não conseguia mais me concentrar em nada que fosse além dela.
Talita quis que a banda resolvesse seus problemas pessoais para poder ter mais foco na música. Os ensaios já tinham sido retomados, mas eu não tinha comparecido a um sequer. eu amava tocar na banda, entretanto ela teria que esperar.
“Ah, bora, Jack... Por favor...” Sally me chamava para matar aula bem no meio do pátio da escola.
Ela tinha começado a me fazer esse pedido com regularidade por mais que eu negasse.
“Ly...”
“Hoje eu vou matar aula de qualquer jeito. Não estou com o menor animo pra ver a cara dos professores hoje. Vem comigo?”
“Tudo bem.”
Seu rosto se iluminou. “Sério?! Ah, que ótimo! Então bora!”
“Vamos pra onde?”
Ela analisou. “Hum, não tinha pensado nisso. Precisa de um lugar certo?”
“Dá pra gente ir à Primavera.”
“Não! Está doido?! Longe demais... Muito ruim se a gente só der uma volta na praça mesmo?”
Eu já tinha imaginado todo um passeio romântico pelos pontos turísticos de Primavera.
“Tem certeza? Seria legal...”
Ela fez uma carinha e meneou a cabeça. “Não precisa disso tudo não, Jack. Só uma voltinha por aqui mesmo já vai ser tudo de bom.”
Andamos um pouco até encontrarmos um lugar mais calmo na praça e nos ajeitamos no chão.
“Você matando aula... Quem diria!” Implicou.
Sorri. “O que não faço por você.”
Sally se apertou nos meus braços e pouco tempo depois quebrou o silêncio. “Te amo.” Seria pedir demais que nenhuma outra palavra fosse pronunciada após aquelas?
Eu tinha lhe dito essas palavras por diversas vezes durantes as semanas que se passavam, ela sempre me abraçava forte ou me dava um sorriso enorme como resposta. Eu realmente não me preocupava com isso. Não queria força-la, mas também não queria deixar de dizer por não ouvir o mesmo dela.
À bem da verdade, ela tinha cansado de me dizer essas mesmas palavras infinitas vezes, mas era em outro tempo, quando ela deitava no meu colo e me chamava de amigo.
Passei a mão em seus cabelos.
“Você não acha estranho?” Perguntou-me.
“O quê?”
“Ah... Sei lá... É sempre fomos muito próximos, mas como amigos e agora... nem sei o que somos.”
“Não acho estranho.”
Ela tirou a cabeça dos meus ombros para me encarar com incredulidade. “Não acha estranho?” Perguntou-me novamente.
Sorri. “Eu vivi tantas vezes momentos assim com você na minha mente. Pensei que nunca passaria disso.” Toquei sua mão. “É mágico, não estranho.”
Ela abriu um sorriso enorme. “Como você consegue ser assim?” Diante do meu silêncio ela completou. “Como eu pude ser tão cega?”
Tirei as costas do chão para ficar à sua frente. “Linda.”
Ela desviou o olhar para o chão, envergonhada.

It’s Only Love (The Beatles)
When you sigh, my mind inside just flies
Butterflies
Quando você suspira minha mente voa...
Borboletas...

Puxei seu queixo pra cima novamente. Encostei nossas testas. Acariciei seus cabelos, suas orelhas e sua nuca com minhas mãos; e seu rosto com o meu. Nossos lábios se tocavam de leve.
“Eu te amo muito...” Lhe disse ao pé do ouvido.
Ela estremeceu.
Fomos interrompidos. “Esses jovens de hoje em dia... Não tem a menor vergonha.” Uma velha resmungou alto ao passar por nós.
Sally se afastou um pouco de mim. “É melhor a gente sair daqui.”
“Ficou aborrecida com o comentário?”
“Ah, Jack... Legal não é, né.”
Ri.
“E também não tem graça.” Mas riu comigo.
“Não fica assim, minha linda.”
“Velhinha dos infernos.” Olhou ao redor pra ter certeza de que a senhora não estava mais por perto.
“Só você...” Levantei e lancei minha mão na sua direção para ajudá-la.
Ela não quis minha ajuda e assim que ficou de pé se lançou nos meus braços. “Te amo!”

It's only love
And that is all
É apenas amor
E isso é tudo

“Melhor a gente voltar agora.”
“Hum...” Fechou a cara. “Bora.”

But it's so hard
Loving you
Mas é tão difícil...
Amar você

domingo, 27 de maio de 2012

11- Capítulo Onze


2011

Passamos o dia fugindo um do outro. Nenhuma ocupação era realmente importante ou tão urgente, mas agimos como se fossem. Eu sentia como se meu coração pudesse pular em minhas mãos se eu ficasse à sós com a Sally.
Já tinha chegado o final de semana e mal tínhamos trocado palavras.  Acredito que teríamos continuado nos evitando por mais tempo se já não tivéssemos combinado antes de passar aqueles dias juntos.
Nada de fim de semana em Primavera. Queríamos curtir lugares diferentes em Almerim; aqueles que não tínhamos tempo de conhecer na correria diária. Tudo bem que Almerim não era uma cidade conhecida por sua beleza indescritível nem por ter lugares incríveis para se visitar. Mas não se tratava disso. Nós não conhecíamos a cidade onde passávamos dias e mais dias. Nossos passeios se limitavam à uma pracinha próxima à escola, uma lanchonete e uma sorveteria.
“Oi.” Sally disse de um jeito engraçado, inclinando a cabeça na minha frente.
“Sally!”
“Pronto para o descobrimento de Almerim?”
“Bom dia.”
Ela sorriu envergonhada. “Bom dia, Jack.”

You and Me (Lifehouse)
What day is it and in what month
This clock never seemed so alive
Que dia é hoje e de que mês?
O relógio nunca pareceu tão vivo

Eu tinha feito uma pequena pesquisa sobre alguns lugares mais bacanas para o nosso passeio, mas Sally montou um bico me repreendendo. Eu tinha apontado para a direita, ela me apanhou pelo pulso e me arrastou pela esquerda. Começamos a andar sem rumo certo, porque Sally cismou que assim seria mais emocionante.
Aquelas ruas pareciam de uma parte mais pobre da cidade. Muros pixados, latas de lixo viradas, crianças correndo descalças...
“Sally, acho melhor a gente voltar e ir pelo outro lado.” Tive certeza de que era a melhor ideia assim que vi um grupo de jovens mal encarados que não tiravam os olhos de nós.
“Com medo, Jack?”
Ri nervoso. “Eu sei cuidar de mim, minha preocupação é com você.”
Ela riu debochada. “Ok. Se é assim, então relaxa e senta comigo ali.” Apontou para uma quadra de basquete onde alguns meninos competiam pela bola e outros assistiam.
“Tem certeza disso? Não acho uma boa ideia.”
Ela sorriu me desafiando. Não me lembro de ter conhecido esse lado da Sally antes e a ideia de ainda ter o que eu não soubesse sobre ela me surpreendeu bastante.

'Cause it's you and me and all of the people
With nothing to do
Nothing to lose
Porque somos você e eu e todas as pessoas
Com nada para fazer
Nada para perder

“Ok.” Respondi.
Nos sentamos num pedaço de concreto um pouco afastado da maioria.
“Você não se sente mais vivo fazendo esse tipo de coisa?” Ela não esperou resposta. Fechou os olhos, inspirou e expirou profundamente o ar. “Eu estava precisando de algo assim. Tem gente que usa drogas ou enche a cara pra sentir o sangue correr pelas veias, eu só preciso de um momento como esse... Sem saber o que vem a seguir.”

And it's you and me and all of the people
And I don't know why
I can't keep my eyes off of you
E somos você e eu e todas as pessoas
E eu não sei por quê
Não consigo tirar meus olhos de você

“Eu te amo.” As palavras simplesmente saíram da minha boca.
Ela abriu os olhos surpresos pra mim, depois abriu um sorriso e encostou sua cabeça no meu ombro alisando a minha mão.
“Vamos?” Perguntei.
“Tá bom...” Me respondeu sem vontade.
“Você ainda quer ficar?”
“Não. Bora logo.” Levantou-se.
“É só porque acho que é melhor a gente almoçar...”
Ela olhou a hora no celular. “Nossa! Já é isso tudo?” Me olhou com os olhos arregalados. “Caraca... Você já deve estar morrendo de fome, né. Bora voltar... Sabe de algum lugar legal pra gente comer?”
“Sei sim. Pelo menos nas fotos parecia um bom lugar...”
“Perfeito.”
As fotos que achei em minhas buscas pela internet não foram nada mentirosas... Ok, nas imagens o lugar parecia muito mais aconchegante, mas isso eu já tinha previsto.
Escolhi um lugar onde pudéssemos ficar mais a sós.
Sally começou com uma conversa de que não estava com fome; pedi para ela o mesmo que para mim. Ela revirou os olhos, mas não discutiu. Quando nossos pedidos chegaram ela olhou triste para o seu prato.
“Está mesmo sem apetite?” Coloquei a minha mão sobre a dela. “Come pelo menos um pouquinho...”
Forçou um sorriso. “Não é isso.” Meneou a cabeça. “Só estava pensando naquela gente. Nunca tinha visto de perto um lugar assim... mais simples. Como pode na mesma cidade onde existe um restaurante como esse ter gente que vive daquele jeito?”
Era esse tipo de coisa que eu mais amava nela. “Não devíamos ter seguido aquele caminho.”
“Está tudo bem, Jack. É só o que mostra nos noticiários; não é nenhuma surpresa. Só acho muito injusto. E me sinto tão pequena pra poder fazer alguma coisa a respeito...” Ela deu uma pausa. “Nossa! O assunto ficou tão tenso de repente, né?!”
Eu só conseguia pensar no quanto eu tinha sorte. Quem eu amava estava bem na minha frente com as bochechas coradas por ver nossas mãos sobrepostas.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

10- Capítulo Dez

2011
Ela esperou pacientemente aquele segundo eterno em que eu tentava encontrar uma conexão entre tudo o que sentia e as palavras. E se eu dissesse algo que a desagradasse? Ou se ela se aborrecesse comigo? Eu não saberia suportar.
“Não sei se é o que você quer ouvir...”
“Me diz...”
A sua mão sobre a minha tinha a intenção de me acalmar e encorajar, mas, ao invés disso, estava me deixando ainda mais conturbado. Eu não podia dizer tudo, ela correria léguas de mim.
“Mas...”
Dessa vez ela me interpelou, dando um aperto leve na minha mão. “Jack.” Ela pronunciou o meu nome com toda a firmeza do mundo, mas no momento em que seus olhos encontraram os meus, ela não conseguiu sustentar e voltou a olhar para o céu estrelado. “Não precisa ter medo de me magoar, ou sei lá. O que sente por mim é só amizade?”

Never Gonna Be Alone (Nickelback)
Now I'm wondering why, I've kept this bottled inside
So I'm starting to regret not telling all of it to you
So if I haven't yet I've gotta let you know
Agora eu estou imaginando porque deixei isso preso dentro de mim
Então, estou começando a me arrepender de não ter dito tudo para você
Então, se eu ainda não o fiz, tenho que deixar você saber

“Não.” Respondi de imediato. “A nossa amizade é inacreditável por milhões de razões, mas desde a primeira vez que te vi eu soube que você poderia fazer o que quisesse comigo... Você é diferente. Especial. E o que eu sinto por você vai muito além de amizade.”
Não conseguia ler as suas expressões do ângulo que estava.
“Você também é muito especial pra mim. O meu melhor amigo. E você... Você é único, Jack. Eu nunca conheci ninguém que sequer se aproximasse de tudo o que você é. Não existe em todo mundo alguém como você.”
Eu sentia as batidas do meu coração em todo canto do meu corpo. Acontecesse o que fosse, aquele momento ninguém jamais poderia tirar de mim. Eu queria beijá-la. Eu queria muito.
“Nossa...”
Ela riu com a forma abobalhada em que eu falei.
“Nossa...” Repeti.
Sally riu com mais vontade e virou seu rosto pra mim.
“Ainda não consigo acreditar.” Falei. “Você é incrível.”
Ficou envergonhada e abaixou o olhar. “Pensei que você fosse dizer que... sei lá. Qualquer coisa diferente disso. Nunca pensei que me visse dessa forma.”

Cause forever I believe
That there's nothing I could need but you
Pois sempre acreditei
Que não há nada que eu precise a não ser você

“Só se eu fosse cego.”
Ela me deu uma rápida olhada.
“Está acontecendo de verdade...” Falei baixinho.
Sally sorriu e passou a mão pela testa. “Nunca imaginei.”
“Eu tinha que ser louco pra não sentir nada por você, Sally. Mas também não quero estragar as coisas...”
“Estragar?”
“Vou ser sincero com você... tenho medo de não te fazer feliz.”
“Por que você não me faria feliz?” A maneira como ela me fez essa pergunta era quase como se ela acreditasse que essa possibilidade não existisse... isso tirou o resto de ar que eu ainda tinha.
“Não sei... Só tenho medo. Eu quero tanto que você seja feliz...”
Sally abriu um sorriso lindo. “Sabe, por causa do medo perdemos as melhores coisas. Eu também tenho muitos medos, mas decidi usá-los para me lembrar de que isso é algo especial o suficiente para arriscar. A vida passa que nem vejo. Fazemos planos e mais planos quando tudo o que temos que fazer é viver o agora. O agora é tudo o que temos.”
Sua última frase me incomodou mesmo tendo entendido o que quis dizer, porque eu queria muito mais que o agora, eu queria o pra sempre.
Ouvimos o barulho dos nossos amigos invadindo o jardim. Desprendemos nossas mãos como duas crianças.
“Vamos sair daqui hoje mais não?” Vinícius perguntou assim que nos viu.
Sally levantou. “Agora, insuportável.”
“Atrapalhei o casal é?!” Vinícius brincou rindo como sempre, ele só não sabia que tinha acertado.
“Já falei pra você superar seus ciúmes, baby.” Sally respondeu naturalmente.
Sempre esperávamos as meninas entrarem no seu dormitório para irmos ao nosso. Elas só acenavam e jogavam beijos, nada de abraços e longas despedidas. Mas nesse dia eu fiz questão de ter um abraço da Sally...
Foi rápido, por causa dos acompanhantes. E por mais que eu soubesse que o que eu estava prestes a dizer pudesse assustá-la muito, não me importei. Resolvi que aquele era um dos momentos em que deveria apenas agir sem muita reflexão. Mesmo naquele curtíssimo abraço, eu pude falar baixinho em seu ouvido antes de lhe deixar um beijo no rosto. “Eu te amo...”.

I'm gonna be there all of the way
I won't be missing one more day
I'm gonna be there all of the way
I won't be missing one more day
Eu estarei lá de qualquer forma
Não vou desperdiçar mais nenhum dia
Eu estarei lá de qualquer forma
Não vou desperdiçar mais nenhum dia

Virei as costas sem ver a sua reação. Se aquele fosse o último dia da minha vida, eu teria terminado com perfeição. Acho que isso era o que significava o que ela tinha dito em “viver o agora”. Mas, ainda assim, antes de fechar meus olhos naquela noite eu pedi em silêncio que pudesse ter mais um dia... Sempre mais um dia.

domingo, 11 de março de 2012

9- Capítulo Nove

2011
Senti meu corpo enrijecer com a tensão que sua pergunta me causou. Não que eu estivesse tentado a aceitar seu pedido, mas porque percebi que aquele assunto não teria fim.
“Talita...” Peguei seus ombros a afastando de mim.
Ela bufou tentando ser humorada. “Eu já sabia a sua resposta, Jack, mas não custava tentar. Então, me deixe te fazer outra pergunta.”
“Ok.”
“Você definitivamente não me ama, certo?”
“Desculpa...”
“Não se desculpe. Mas você está na banda mesmo com tudo o que aconteceu entre a gente porque você ama tocar, certo?”
“Sim.”
“Mas se de repente, houvesse outra banda que te convidasse... Aceitaria?”
Pensei. “Não...”
Talita avaliou a minha resposta seriamente e quando pareceu encontrar meu motivo fingiu carranca. “Tá. Isso por causa da Sally, né... a banda querida dela e blá, blá.”
Não respondi.
“Como imaginei. Quer dizer que se ela te incentivasse a aceitar o convite de outra banda, você não pensaria duas vezes. Ou caso ela pegasse encrenca séria com algum de nós... Qualquer desagrado dela com a gente já seria motivo, certo?”
“Não entendo aonde quer chegar, Talita.”
“Mas e a minha voz, Jack?”
“O que tem?”
“O que acha dela?”
“Acho linda.”
“Só?”
Suspirei. Ela queria detalhes, ok. “Quando você canta é como se eu escapasse desse mundo. Você fica incrível quando canta. Sua voz é única.”
Talita sorriu satisfeita. “E você seria capaz de tocar para outro cantor mesmo assim...” Continuou. “Da mesma forma que ama a minha prima e se envolveu por tanto tempo comigo.”
Culpado.
“Tudo bem, Jack. Descobri uma forma de seguir em frente numa boa. Aceito sem complicações que seja com a minha prima que você queira estar. Seja sempre tão firme e fiel como agora. Mas se é a minha voz que você ama, não vou aceitar que traia isso. Ame apenas a minha voz. Toque só pra mim.”
Foi impressionante ouvir a forma simples que ela usou para falar de algo que parecia tão mais complexo em minha mente. A verdade era que eu realmente só gostaria de tocar para a sua voz. “Tudo bem pra mim.”
Ela sorriu largo. “Podemos voltar pra sala agora. Já estou com a minha pendencia resolvida. Mas parece que você ainda tem uma lista pra resolver. Por que não começa com a parte que mais te interessa e está logo aqui do lado?”
“Você está mesmo bem agora?”
Talita me deu mais outro sorriso. “Estou sim, Jack. Engraçado até. Entrei nessa sala pensando que só haveria uma forma de terminar tudo bem e que nunca aconteceria, mas estou tão bem como nunca. Saber que a minha voz é única pra você me traz uma felicidade que nunca experimentei antes.”
Talita não era do tipo que media suas palavras ou ações, ela falava o que queria quando queria e pouco se importava para as consequências disso. Era quase como se curtisse a surpresa que esse seu modo de ser causava nas pessoas ao redor. E dessa vez nem mesmo o seu nariz arrebitado a impediu de dizer tudo o que queria me dizer.
Voltamos à sala e só os meninos estavam nela. Onde a Sally estava?
Talita fez a pergunta em voz alta por mim. “Cadê a Lilly?”
“Ah, ela disse que queria curtir um pouco a noite lá no jardim.” Ricardo respondeu.
“Forever alone.” Vinícius comentou e trocou risadinhas bobas com o Caio.
“Boa noite.” Desejei a todos e fui procurar por Sally.
Sally estava mesmo no meio daquela cerca viva, sentada num dos bancos admirando o céu estrelado. Acho que sentiu a minha presença; provavelmente, o som dos meus passos chamou sua atenção. “Ah, Jack... Já é muito tarde?”
“Ainda não.”
“Hum... Senta aqui.”
Fiz como pediu. “Pensando em alguma coisa?” Perguntei.
“Em você.”
“Em mim?”
“Jack, posso te fazer uma pergunta?”
“Pode...”
“O que você sente por mim?”

You know I love you so,
You know I love you so
Você sabe que eu te amo tanto,
Você sabe que eu te amo tanto.

“Ahm? Como assim?”
“Você entendeu. Me diz, por favor, eu preciso saber.”
Minhas mãos travaram no banco. Meu coração batia com tanta força que eu jurava que Sally podia ouvir as batidas. “Você é especial pra mim...”
Ela continuou calada, esperando que eu continuasse.
“Muito especial.”
Ela olhava serenamente para o céu em silêncio.
Eu estava a ponto de virar fumaça pelos ares.
“Mas... Por que está me perguntando isso?”
Sem tirar os olhos do céu, Sally colocou uma de suas mãos sobre a minha que apertava com força demais o banco de madeira. “Pode me falar, Jack. É só me falar...”

Look how they shine for you,
Look how they shine for you,
Look how they shine...
Olhe como elas brilham por você,
Olhe como elas brilham por você,
Olhe como elas brilham...

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

8- Capítulo Oito

2011
Nossa banda tinha o costume de ficar até às 21:00h ensaiando, dava umas três horas de ensaios diários. Falando assim, pode até soar muito ou exaustivo, mas não. O tempo passava às pressas e por mais que ficássemos cansados, queríamos sempre mais.
Por volta das 20:00h Sally aparecia para assistir ao nossos ensaios, era quando terminava sua partida de futebol. Engraçado como ela realmente gostava de jogar. Inicialmente cheguei a acreditar que fosse por causa de alguma nova paixão, mas me enganei. Ela me contava sobre o jogo com bastante animação. Mesmo que eu não desacreditasse de todo ter alguém chamando a sua atenção por lá.
Tinha sido um final de semana inacreditável, mas eu deveria ter imaginado que os dias seguintes não ficariam por menos.
Ainda não tinha dado oito horas da noite quando Sally surgiu em nossa sala.
Talita dizia que faltava alguma coisa em nossa banda.
“Nós somos bons, mas não o suficiente. E isso não tem nada a ver com pouco ensaio nem com pouco talento. Nós temos potencial para marcamos a história do rock, mas falta alguma coisa. Andei pensando sobre isso e percebi que nos falta harmonia. Estamos em ritmos diferentes. Com projeção diferente. Presos em conceitos já existentes. Falta liberdade. Falta ousadia. Falta harmonia. Porque de nada adianta sermos incríveis, se não formos um. Precisamos disso. Precisamos estar na mesma sintonia. Por essa razão nada de ensaios até semana que vem.” Talita levantou o dedo. “Sem reclamações. Sei lá, façam o que quiserem nesse tempo, menos música. Resolvam suas questões. Liberem suas mentes. Deem um jeito de encontrar essa harmonia pra nossa banda.”
“Só a gente?” Vinícius indagou.
Talita deu uma encarada. “Eu faço parte ‘da gente’ se ainda não percebeu.” Revirou os olhos. “Bem, vamos encerrar por hoje, galera. Por favor, levem à sério o que eu falei.”
Sally fazia uma cara engraçada para mim e eu estava indo até ela quando Talita apareceu na minha frente.
“Preciso conversar com você.”
“Agora?”
Talita olhou para trás de si e viu sua prima. “Oi, Lilly! Posso roubar o Jack rapidinho?”
Sally ficou nitidamente sem graça. “Sem problemas. Eu só vim ver o ensaio mesmo, mas acabei nem dando sorte. Vou ficar aqui com os meninos... Espero vocês pra gente ir junto pro dormitório?”
“Ah, não por mim, ainda vou ficar um tempo aqui na sala quando todos saírem.” Talita.
Sally foi até os meninos como disse que faria. Odiei a Talita por isso.
“Talita, já está tarde. Melhor a gente conversar amanhã.” Tentei sair, mas ela não me deixou.
“Jack...” Ela pediu.
Olhei para ela. A sua expressão era uma agonia. “Por favor...”

You (The Pretty Reckless)
You don't want me, no
You don't need me
Like I want you, oh
Like I need you
Você não me quer, não
Você não precisa de mim
Como eu quero você, oh
Como eu preciso de você

Fechei meus olhos. Era difícil dizer não, quando me sentia culpado pelo estado em que ela se encontrava.
“Sinto sua falta, Jack. Não queria, juro, mas parece impossível fazer isso parar.” Ela me dizia baixo. “Eu sei que você é apaixonado pela Sally...”
Interrompi a Talita apertando seu pulso. “Aqui não.”
“Sei de uma sala vazia.”
Suspirei. “Vamos.”
Não quis ver a expressão da Sally a me ver saindo de forma tão suspeita com a Talita. Aquilo estava me tirando a paciência.
Assim que chegamos à sala fiz questão de me manter mais afastado da Talita. “O que você quer, Talita?”

And I want you in my life
And I need you in my life
E eu quero você na minha vida
E eu preciso de você na minha vida

“Não me pergunta isso, Jack.” Ela disse fechando os olhos. “Eu tinha me prometido nunca mais tocar nesse assunto. Enterrá-lo de verdade. Mas é uma tortura tão grande...” Lágrimas começaram a descer por seu rosto.

You can't see me, no
Like I see you
I can't have you, no
Like you have me
Você não pode me ver, não
Como eu vejo você
Eu não posso ter você, não
Como você me tem

“Não sei o que está acontecendo comigo, Jack. Não me reconheço. Se não fosse pela banda... Porque te ver e não te tocar, estar do seu lado e te sentir tão distante... Perdi meu orgulho.”
Aproximei-me dela. Acariciei seu rosto, limpando suas lágrimas. “Me perdoa, Talita. Não sei o que posso fazer. Eu amo a...”
Ela franziu a testa fazendo um som com a boca para que eu não dissesse. “Eu sei.”
Dei um beijo em sua testa e a puxei para os meus braços.
Talita disse com a cabeça repousada em meu ombro. “Uma última vez, Jack... Me deixe te amar só mais uma vez.”

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

7- Capítulo Sete

2011
“Diogo é meu pai...” As palavras saíram. “Por que está me dizendo isso agora?”
“Nos encontramos rapidamente numa de suas vindas e... fui estúpida! Ele...” Suspirou. “Acabei dizendo a verdade e apesar de ter voltado atrás um milhão de vezes, nada adiantou. Agora ele está vindo novamente e quer te ver. Eu tenho que conversar com o Willian também, mas achei que deveria te contar primeiro. Diogo quer arruinar de vez a minha vida.”
Eu poderia ter permanecido sentado e consolado a minha mãe que estava seriamente perturbada. Dar o apoio que ela estava quase implorando. Ou também podia lhe fazer um milhão de perguntas, talvez gritar alguns desaforos e nunca mais lhe olhar na cara. Mas tudo aquilo só era mais uma prova do óbvio, do poder das pessoas em trazer outras para os seus problemas.
Não tinha lembranças do homem que julguei ter sido meu pai, porque ele partiu quando eu era ainda muito novo. Tinha trocado um pai desconhecido por outro. A verdade é que nunca fui de me importar com laços familiares. Não era o fim do mundo ter que conhecer o Diogo, só era completamente desnecessário. Imaginava se conseguiria chamá-lo de pai.
“Tudo bem. Vou dar uma saída agora, se não se importa.”
Eu já estava passando pela porta da copa quando ouvi minha mãe dizer “Você deve me odiar... Talvez um dia você possa me perdoar.”
“Não te odeio.” Não sei se ela chegou a ouvir.
Eu precisava sair dali o mais rápido possível. Aquele drama não me interessava. Eu já tinha algo ocupando bastante espaço em minha mente.
Sally não estava mais na sala de jantar, como tinha imaginado.
Entrei em meu quarto para pegar minha mochila e meu violão. Daria para voltar à Almerim antes do anoitecer.
Dei de cara com a Sally puxando sua mala. Ela me olhou assustada.
“Já está indo?” Perguntei.
“Desculpa, eu ia deixar um bilhete avisando. Achei que tinha mesmo sido uma péssima ideia vir. Sua mãe parece estar querendo passar um tempo com você.”
“Você não atrapalha.”
“Claro que sim, mas não vamos perder tempo com isso. Vou logo aqui pro lado.” Claro, minha vizinha. “Se as coisas ficarem muito chatas por aqui, sabe onde me achar.”
“Ok.”

Oasis (Don’t Look Back In Anger)
And so Sally can wait
She knows it's too late
As she's walking on by
My soul slides away
"But don't look back in anger!"
I heard you say
Então Sally pode esperar
Ela sabe que é tarde demais
Enquanto a gente estava caminhando por aí
A minha alma deslizava

Ela fez um som com a boca, não satisfeita com a minha resposta – eu sabia. Passou pela porta e a fechou com mais força do que usaria normalmente.
Olhei para o meu violão e desisti de levá-lo, talvez fosse melhor que ele continuasse ali, quando eu precisasse voltar seria bom ter um por perto. E, de qualquer forma, eu tinha o meu preferido, presente de Sally, em Almerim. Joguei nas costas minha mochila.
A porta se abriu e ouvi o baque da mala da Sally tombando no chão.
“Vai ficar no chão agora também!” Ela reclamou com a mala, depois viu a mochila que eu carregava. “Indo embora?”
“É.”
Sally inclinou a cabeça fazendo bico. “Ah não, Jack...”
“Deixou alguma coisa aqui?”
“Jack.” Revirou os olhos e bufou. “Não queria sair daquele jeito. Nada a ver, né! Acho que não estou no meu melhor hoje e me irritei com você por nada. Está chateado comigo?”
“Não.”
Estreitou os olhos. “Hum... Não está me convencendo.”
Sorri. “Está tudo bem, Sally. Sério. De verdade.”
“Ok... E vai embora por quê?”
“Sabe que não aguento ficar muito tempo aqui.”
“Nem imagino por quê!” Ela riu. “Fica lá em casa.”
“Tudo bem mesmo?”
Eu podia jurar que ela tinha ficado envergonhada.

Take me to the place where you go
Where nobody knows if it's night or day
Me leve para o lugar onde você for
Onde ninguém sabe se é noite ou dia

“Claro. A casa está cheia, mas lugar nunca falta. Seu quarto continua sendo somente seu.”
“Obrigado.”
“Então bora logo!” Apanhou o meu pulso pela mão, como tinha o costume de fazer, mas não foi a mesma coisa dessa vez. Vi quando ela me segurou no impulso e quase soltou em seguida. Seus olhos observando com desconforto um gesto que ela fazia tão naturalmente.
Fingiu precisar afastar a porta e soltou meu pulso. Algo tinha mesmo mudado e ela mal conseguia disfarçar.
“Pensei que tivesse dito não ter se chateado comigo, mas sabe que te conheço melhor que isso, né? Essa sua cara de poucos amigos... Poxa! Que feio guardar rancor, Jack.”

"But don't look back in anger!"
I heard you say
At least not today
"Mas não olhe para trás com rancor"
Ouvi você dizer
Ao menos não hoje

“Impressão sua, Sally.” Ela não poderia me irritar mesmo que quisesse, e pelo embaraço transparente em seu rosto, aposto que ela sabia disso.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

6- Capítulo Seis

2011
“Me perdoa...” Disse escondendo sua boca com uma mão e com a outra se apoiava num dos meus braços. Seus olhos transbordavam lágrimas. Pensei em quando a tinha visto chorar antes, mas acho que lembraria se já tivesse visto.
“Como que se diz algo assim?” Ela falou baixinho olhando para o chão.
“O que está tentando me dizer?”
“Ok.” Respirou fundo, tomou ar sério e me encarou novamente. “Cometi um erro muito grande quando jovem e cometi outros tentando encobrir esse primeiro, mas foi tudo em vão...”
Eu não estava nada à vontade com aquela conversa. Ela não tinha que se abrir comigo. Já estava acostumado com a nossa forma de se relacionar. Estava tudo bem como sempre foi.

Broken (Lifehouse)
The broken clock is a comfort, it helps me sleep tonight
Maybe it can stop tomorrow from stealing all my time
And I am here still waiting though I still have my doubts
I am damaged at best, like you've already figured out
O relógio quebrado é um conforto, me ajuda a dormir esta noite
Talvez isso pare amanhã de roubar todo meu tempo
E eu estou aqui, ainda esperando, embora ainda tenha minhas dúvidas
Eu sou estragado na melhor das hipóteses, como você já percebeu

Olhei ao nosso redor procurando um lugar para sentarmos. “Quer se sentar?”
Minha mãe assentiu e me acompanhou até a bancada. Peguei um copo d’água e lhe ofereci. Ela me olhou um pouco surpresa. Tomou um gole. “Você é tão gentil... Obrigada.”
Eu não era gentil, só queria que ela parasse.
“É sobre o seu pai.”
Sentei-me.

I'm hangin' on another day
Just to see what you will throw my way
Estou aguentando outro dia
Só para ver o que você jogará no meu caminho

“Muito antes de você nascer, eu conheci esse cara...” Um sorriso minúsculo, quase imperceptível apareceu em seu rosto. “Éramos tão jovens e cheios de vida. Eu queria conhecer o mundo, todos os lugares mais exóticos, fazer do mundo a minha casa. É claro que todos riam quando eu lhes dizia sobre o meu sonho. Não me levavam a sério. E você já deve saber como são as coisas, principalmente, por quem é criado em Primavera. Meus pais queriam que eu encontrasse um homem ainda mais afortunado que a nossa família e que tivesse uma boa mão para seguir com os nossos negócios.”
Já era surpreendente o suficiente que a minha mãe estivesse me direcionando tantas palavras, mas a maneira como ela falava que estava mesmo me impressionando.
“Me apaixonei por um rapaz que lhe brilhavam os olhos toda vez que eu falava sobre os lugares que eu queria conhecer. Ele era incrível. Me contava sobre os lugares de onde tinha vindo e para onde estava indo. Ele tinha o estilo de vida que eu almejava. Mas tinha saído de casa contra a vontade de seus pais... vivia de trabalhos sem carteira assinada que conseguia durante suas viagens. Só tinha o essencial para viver. Negócios? Ele não queria nada com isso.” Respirou fundo e deu mais uma golada no copo d’água.
“Quando meus pais descobriram com quem eu saía, trataram logo de me arrumarem um encontro com um homem mais velho que era exatamente o tipo de homem que queriam para genro. Não era uma escolha ter compromisso com ele ou não. Já estava tudo acertado. Não demoraria e já estaria indo provar o vestido de noiva.” Suas expressões durante a narração me fazia ver o quão viva era aquela história para ela.
“Continuei a encontrar o meu viajante às escondidas. Ele fazia toda aquela história parecer até empolgante.” Riu. “Porque eu não estaria mais lá para ter que me preocupar com casamento arranjado. Planejávamos o começo de nossa viagem. Eu iria com ele para onde ele apontasse, só com a roupa do corpo, ele só precisava dizer quando.” Suspirou.
“Não precisou ser assim tão de qualquer jeito. Eu pude fazer uma mala e estava no local combinado antes mesmo do horário marcado. Mas ele nunca apareceu. Nem naquele dia nem no seguinte... Já tinha se passado um mês e mesmo ali no altar diante daquele homem que eu mal sabia o nome completo, ainda esperava que o meu viajante surgisse pela porta da igreja e me arrastasse com ele pra longe dali. Casei. Eu podia ser jovem e tola, mas não tinha o que se argumentar diante da contagem de tempo em que estava grávida. O pai não era o meu marido.” Ela pegou na minha mão sobre a bancada.
“Estava grávida de você e o homem com quem estava casada se gabava em todos os cantos contente por acreditar que seria pai. Ele viajava à negócios que duravam meses, me chamou algumas vezes para acompanha-lo, mas conhecer o mundo não parecia mais empolgante. Recusei todas as vezes. Numa dessas vezes ele foi e não voltou...”
Puxei minha mão. Minha mãe levou a dela à boca, sem jeito.
“Eu não tinha mais meus pais para voltar. Nunca soube cuidar de nada. Tinha um filho e estava sozinha com ele. Entrei em desespero. Foi quando conheci o William.” Pai do Scott. “Ele foi tão bom comigo...”
“Meu pai...”
“Vou chegar nessa parte. Eu podia ter jurado que nunca mais o veria. Seu pai tinha me deixado pra trás. Mas então... Em nossas reuniões acreditei ter conhecido toda a família de William, mas tinha alguém que nunca era citado e que nunca esteve presente, como eu poderia imaginar? Foi num natal... você não deve se lembrar. Diogo apareceu pela porta da minha casa, com uma mulher de um lado e uma criança do outro.”
“O tio Diogo?”
Ela confirmou com a cabeça. “Pensei... Não, eu não pensei em nada naquele momento em que nossos olhos se encontraram. Um dos parentes me cochichou ser o irmão rebelde de William. Não trocamos uma palavra sequer. Mas a forma como ele te olhava fixo...”
Lamentei por anos pela morte de um homem que nunca foi meu pai.

So I'm holdin' on, I'm still holdin', I'm holdin' on I'm still holdin',I'm holdin' onI'm still holdin'
Então eu estou aguentando, estou aguentando, estou aguentando

sábado, 25 de fevereiro de 2012

5- Capítulo Cinco

2011
Durante a refeição nenhuma palavra foi pronunciada. Sally normalmente estaria agitada - balançando as pernas sem parar – mas ela estava distante como o restante à mesa. Sequer olhou para mim novamente depois que fomos interrompidos no quarto. Sua comida, apesar de mexida pra cá e pra lá, permaneceu toda no prato.
Estava prevendo o momento em que Sally sairia correndo de minha casa em pânico. Ou quem sabe ela não abriria um sorriso enorme convencida de que o ocorrido tinha sido algo de sua cabeça. Eu não sabia o que era pior. Só não queria perde-la, mesmo que o preço fosse ter que conviver com uma esperança que jamais passaria de espera.

Open Your Eyes (Snow Patrol)
All this feels strange and untrue
And I won't waste a minute without you
My bones ache, my skin feels cold
And I'm getting so tired and so old
Tudo isto parece estranho e falso
E eu não vou desperdiçar um minuto sem você
Meus ossos doem, minha pele está fria
E eu estou ficando tão cansado e velho

***
2000
“Feliz aniversário!” Sally me empurrava um embrulho enorme.
Aniversário... Era um dia irritante. Eu negava qualquer tentativa da minha mãe em me fazer uma festa. Tinha que escolher um presente, sendo que eu poderia comprar o mesmo e tudo mais que quisesse em qualquer dia – não entendia o sentido. Por que eu tinha que comemorar esse dia?

The anger swells in my guts
And I won't feel these slices and cuts
A raiva me corrói por dentro
E eu não vou sentir esses pedaços e cortes

“Cinco de janeiro, não é? É hoje mesmo, né? Eu errei a data?” Sally disparou a me perguntar constrangida com a minha reação; não tive uma.
Como ela sabia? Nunca tinha te dito.
Sally ficou pensativa num segundo e no outro voltou a falar. “É hoje mesmo. Tenho certeza.”
Balancei minha cabeça, sem ainda saber o que dizer.
Ela abriu seu lindo sorriso. “Pega, por favor.” Empurrou-me o embrulho novamente.
Peguei.
“Acho que vai gostar. Não sei porquê, mas só conseguia pensar em te dar isso.”
Olhei para o presente, um bocado pesado. “Obrigado.”
“Não está curioso?”
Eu estava surpreso. Surpreso porque era o meu aniversário e pela primeira vez eu gostei disso.
Rasguei o embrulho e o presente ganhou forma. Eu mal podia acreditar. Abri a maleta e lá estava... o primeiro violão de minha vida.
“Gostou?”
Eu devia estar com uma cara de bobo reforçada. “Mas não sei tocar...”
“É eu sei disso.” Ela riu. “Mas meus tios também querem te presentear... Fazem questão de te ensinar.”
Meus dedos passeavam pelo violão que reluzia dentro da caixa.
“Já pensei em tudo! Vai ser o máximo! Meus primos cantam e você toca!”
“E você?”
“Ah eu vou fazer a parte mais difícil.” Olhou seriamente. “Vou cuidar dos ensaios, das saídas da banda e de vocês, né. Não pensem que vou dar moleza.”
Começou a rir e eu a acompanhei.
Passei a aguardar com ansiedade essa data, porque eu sabia que ela iria aparecer. Era o melhor dia do ano. O dia em que eu tinha Sally Carter só para mim.
***
2011
A louça já estava para ser retirada da mesa por uma empregada quando minha mãe se pronunciou. “Pode deixar que eu mesma retiro.” E se virou para mim. “Você me ajuda, Jack?”
Foi quando Sally correu com seus olhos para mim. Esqueci-me de respirar.

I want so much to open your eyes
´Cause I need you to look into mine
Eu quero tanto abrir seus olhos
Por que eu preciso que você olhe dentro dos meus

Mas ela não conseguiu sustentar o olhar por mais de um levantar e abaixar de cabeça.

Tell me that you'll open your eyes [x4]
Me diga que você abrirá seus olhos [x4]

“Tudo bem.” Respondi à minha mãe.
Sally ficou distante novamente.
Peguei alguns pratos e acompanhei a minha mãe até a copa.
“Jack, queria ter uma oportunidade melhor para termos essa conversa, mas com a sua amiga aqui acho que terá que ser assim.” Minha mãe começou logo que chegamos à cozinha. Reparei que não havia nenhum empregado por lá.
Assenti esperando que ela continuasse.
Minha mãe suspirou. “Não sou nem de longe a melhor mãe do mundo, Jack...” Colocou as mãos em meus braços e depois em meu rosto. Tomando nota de cada detalhe de minha face, como velhos conhecidos que passam um longo período sem se ver. Mas ali estava uma mãe e um filho; e o que estava incomodando muito a minha mãe começou a me incomodar também.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

4- Capítulo Quatro

2011
Estava conversando com a Sally e a galera da banda pelo MSN quando fui notificado de um novo e-mail.
Era de minha mãe. Mantínhamos contato assim. Acho que herdei dela essa falta de tato com as pessoas. Eu a entendo de uma forma que até sinto dificuldade em explicar. Todos que se aproximam um pouco mais da gente estranha nossa relação e isso só piora quando veem o relacionamento que ela sempre teve com o Scott, o filho do meu padrasto.
Mas eles não poderiam entender. Ninguém viu nada além dos abraços que minha mãe distribuía ao Scott ou dos elogios que nunca lhe faltaram. Mas quem prestou atenção no desconforto em que ela se esticava para abraça-lo? Ou no sorriso mal costurado em seu rosto ao chama-lo de filho?
A sua necessidade de agradar ao meu padrasto nunca foi oculta para mim. Mas nem mesmo ele parecia ver a sombra no olhar de minha mãe. O fardo pesado que ela carregava. Acho que por isso preferi me manter tão distante quanto ela me mantinha. Não queria ser mais um peso em sua vida.
Quando eu recebia aqueles e-mails sem muitas palavras, já bastava para que eu soubesse que ela se importava do seu jeito. Era uma pena que ela sorrisse tão pouco, seu sorriso era algo que eu gostava de lembrar vez ou outra.
Mas aquele último e-mail tinha uma urgência que em nada combinava com a minha mãe. Ela pedia que eu passasse aquele fim de semana em casa. Ela nunca pedia por isso, a não ser quando queria dar àquela casa um ar familiar e nos reunia todos. Mas Scott já não estava mais por perto há algum tempo. Estaria ele de volta?
***
2011
“Tem certeza que não quer que eu vá com você?” Sally me perguntava pela milésima vez enquanto eu terminava de colocar alguma roupa na mochila.
“Vou ficar bem, Sally, sério. Não é tão ruim assim. São só dois dias.”
“Não é tão ruim assim? Tá bom!” Era um crime que ela se jogasse tão lindamente na minha cama.
“Tem certeza que vai ficar bem sozinha aqui?”
“Se você não fosse pra sua casa eu ficaria com você, mas já que vai... vou tirar um tempo só pra mim.”
Sally sozinha não me parecia nada bom. “Ok. Eu espero você arrumar as suas coisas pra ir comigo se você quiser mesmo ir... Mas já sabe como as coisas são por lá.”
Ela arrebatou um sorriso. “Serei a sua salvadora. Prometo não demorar!” Sumiu às pressas pela porta.
Não queria que ela fosse. Sally não gostava da minha mãe ou do meu padrasto. O clima ficava carregado quando estávamos todos juntos. E eu tinha uma impressão muito forte de que tinha algo de muito errado naquele convite de minha mãe.
Se deixar a Sally sozinha não me preocupasse muito mais que leva-la...
***
2011
Atravessei a porta principal da casa e me tranquei no meu quarto com a Sally até que chegasse a hora do almoço e fosse inevitável que ficássemos todos reunidos.
Meu violão empoeirado permanecia no mesmo local que deixei pela última vez.
Era sempre uma sensação desconfortável estar novamente naquele quarto. Olhar pela janela e me lembrar de quando observava a Sally de longe.

Use Somebody (Kings of Leon)
I've been roaming around
Always looking down at all I see
Painted faces, fill the places I can't reach
Eu venho perambulando por aí
Sempre menosprezando tudo o que eu vejo
Rostos pintados, preenchem lugares que não alcanço

Sally me tirou do transe, mas continuei tocando. Ela me olhava seriamente, através de mim. Engoli forte a saliva. “Jack, foi sempre assim?”
Fingi não ter entendido e encarei meus dedos no violão. “Assim como?”
Ela suspirou, colocou o cotovelo na perna dobrada sobre a cama e apoiou a cabeça com a mão. Meu coração descompassou.
“Você é incrível, Jack.”

Off in the night, while you live it up, I'm off to sleep
Waging wars to shake the poet and the beat
I hope it's gonna make you notice
I hope it's gonna make you notice
Pela noite, enquanto você vive, Eu estou dormindo
Guerras que dão formas ao poeta e à batida
Espero que isso faça você reparar
Espero que isso faça você reparar

Olhei para ela. Sally viu. Sim, ela tinha visto dentro dos meus olhos, porque em todos aqueles anos ela nunca me olhou daquela forma. Espanto e confusão em seu rosto. Foi um milésimo de segundo interrompido por uma batida na porta.
“Senhor Taylor? O almoço será servido. Temos convidados?” Um dos empregados da casa perguntou do outro lado da porta.
Ela desviou o olhar e passou a mão em seus cabelos.
“Sim. A Sally.”
“Certo, senhor. Sua mãe gostaria que descessem agora. Já estão sendo aguardados à mesa.”
“Vamos agora.”
“Obrigado, senhor.”
Mal terminei de falar e Sally já estava com a mão na maçaneta. “Vamos, né.”
“Vamos.”

I'm ready, I'm ready now
I'm ready now, I'm ready now
I'm ready now, I'm ready now
I'm ready now
Estou pronto, estou pronto agora
Estou pronto agora, estou pronto agora
Estou pronto agora, estou pronto agora
Estou pronto agora

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

3- Capítulo Três

2011
Fazia um bom tempo desde a última vez em que tive a Sally dormindo abraçada a mim. Eu me convencia de que era algo bom que ela estivesse conseguindo dormir sozinha. Mas quando ela surgiu àquela noite no meu quarto e se ajeitou nas minhas cobertas eu só conseguia desejar que ela nunca superasse seu medo.
Era o primeiro dia de aula e eu sempre odiava o primeiro e todos os que se seguiam.
Eu quis esperar para ir com a Sally, o restante já estava no colégio.
“Ali!” Sally comemorou e apanhou o meu pulso.
Foi a minha primeira visão ao chegar à escola: nossos amigos - mas tentei esticar o quanto pude aquele momento a sós com a Sally, por isso deixei que ela se esforçasse por um tempo os procurando.
“Amores!!” Sally disse radiante.
***
2011
Já era mais de seis da tarde e a banda estava reunida.
“Vinícius, todos nós já entendemos que você pegou o mundo inteiro, que fez e aconteceu no baile. Agora cale-se e já pro teclado que vamos começar o ensaio.” Talita ordenou. Ela não se irritava pra valer, mas sempre falava daquele jeito, como se fosse uma ordem e estivesse a ponto de matar alguém. “Todos já pros seus lugares. Anda, anda que o recreio já acabou, criançada.”
Vinícius desatou uma careta e fez como lhe foi mandado.
Caio se acomodou na bateria e eu já aguardava no contra baixo.
Eu fingia não ver, mas parecia até um ritual da parte da Talita, porque toda vez que ela se posicionava para cantar me lançava um olhar antes de começar a canção. Não sei se mais alguém percebia.

In My Place (Coldplay) 
In my place, in my place
Were lines that I couldn't change
I was lost, oh yeah
I was lost, I was lost
Crossed lines I shouldn't have crossed
I was lost, oh yeah
Em meu lugar, em meu lugar
Estavam linhas que eu não podia mudar
Eu estava perdido, sim
Eu estava perdido, estava perdido
Cruzei linhas que não deveria ter cruzado
Eu estava perdido, ah sim

Não gostava de como ela prendia a respiração quando nos esbarrávamos. Não gostava de conhecê-la tanto ao ponto de saber o que significava quando ela se sentava e apertava firme os joelhos depois de me ver.

I was scared, I was scared
Tired and underprepared
Eu estava assustado, estava assustado
Cansado e despreparado

Não gostava de todos aqueles olhares que me direcionava, quase culpada, eu sabia que ela se esforçava para agir naturalmente, mas ainda assim... E gostava menos ainda de que esses olhares me fizessem me lembrar de tantos outros olhares antes destes em que eram seguidos de seus beijos e nossos corpos nus numa sintonia que nunca deveria ter existido.

Yeah, how long must you pay for it?
Sim, quanto tempo você tem que pagar por isso?

Mas tinha aquele momento que fazia todo o resto desaparecer mesmo que por tão pouco; valia o preço.

Sing it please, please, please
Come back and sing to me
To me, me
Come on and sing it out, now, now
Come on and sing it out, to me, me
Come back and sing it.
Cante por favor, por favor, por favor
Volte e cante para mim
Para mim, mim
Vamos lá e cante pra valer, agora, agora
Vamos lá e cante pra valer, para mim, mim
Volte e cante

Seu canto…
***
2005
Eu podia dizer só de olhar em seus olhos, quase negros de tão azuis, que aquilo era bem mais que apenas ela me ajudando a aprender a beijar bem. Mesmo assim fechei meus olhos e abri meus lábios. A primeira a tê-los tocados foi ela...
Talita não era uma menina feia, longe disso, ela sempre foi dona de uma beleza intrigante, mas não foi por isso que eu me deixei levar continuamente por ela. Também não foi por sua personalidade forte.
Tinha algo a ver com aquele momento em que ela parecia transcender; tão entregue, tão inteira...
Quando ela cantava... acontecia algo em mim que nunca fui capaz de entender. Ela deixava de pertencer a esse mundo e eu me pegava desejando ir para o mesmo universo paralelo que ela. Mas errei ao tentar alcançar esse lugar através de seu corpo. Descobri que podia ir muito além apenas dedilhando um violão.
E a culpa por ter sido inconsequente não tinha fim, nunca aprendi a me perdoar.
***
2011
Os sentimentos de Talita seriam a minha última preocupação assim que eu saísse daquela sala de clube. Nunca estamos preparados o suficiente para esse tipo de coisa...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

2- Capítulo Dois

2011
Não entendia o sentido daquelas festas de volta às aulas, mas a Sally ficava sempre tão contente e ansiosa que eu conseguia até gostar de ter que me engravatar.
Naquele baile tinha algo essencialmente diferente.
Fallen Angels iria se apresentar. Já estávamos todos no palco. Entre todos que aguardavam ansiosos a primeira nota de música eu só via Sally Carter. Algo em seu olhar não estava certo.
Comecei a tocar. Mais nada existia. O mundo era uma canção. Eu era aquela canção.

Pra sempre e sempre (Derick Campos)
Eu poderia ser pra sempre
Apenas o teu ombro amigo
Mas teria sempre
Aquele brilho no olhar de quem quer mais

Poderia apenas te consolar
Caso alguém te ferisse
Mas teria sempre
As mãos de alguém que deseja te dar a felicidade

Poderia apenas rir com você
Por causa de alguma piada sem graça
Mas teria sempre
Os lábios de quem sonha em ser o motivo do teu sorrir

Poderia apenas te ver indo embora para outros braços
E ainda te desejar “boa sorte!”
Mas teria sempre
O coração apertado de alguém que ainda tem esperança

Poderia apenas me despedir
Depois de uma conversa boba
Mas teria sempre
O abraço de alguém que gostaria que o tempo parasse

Poderia apenas te chamar de “amiga”
Mas teria sempre
O “eu te amo” no olhar

Pausa para a próxima música. Não vi mais a Sally. Não podia procurar por ela, já era hora de começar a próxima melodia.

Best Of You (Foo Fighters)
I've got another confession to make
I'm your fool
Eu tenho outra confissão a fazer
Eu sou o seu tolo

“Ei, Jack... Será que pode vir me buscar na estação? Acho que não consigo voltar sozinha. Não fique preocupado, porque estou bem... Quando você chegar vou ficar bem.”
Ouvi a mensagem no meu celular assim que terminamos no palco.

I swear I'll never give in
I refuse
Eu juro que nunca vou desistir
Eu me recuso

Encontrei Sally sentada num dos bancos da estação. Seu rosto com a maquiagem borrada por lágrimas. Como era difícil cuidar dela...
“O que houve?” Me agachei à sua frente.
“Estou cansada de ter motivos para chorar. Cansada de dar adeus. Cansada de sacrifícios. Cansada de errar. Só quero voltar pro baile e...” Ela fez aquela de choro que acabava comigo. “Vi o Raffael no baile. Ele me procurou quando vocês estavam tocando e disse que estava indo embora pra outra cidade. Vim com ele até aqui e ele me perguntou se eu não queria ir com ele. Largar tudo. Meu coração entra em colapso por ele, mas não consigo confiar... Não posso largar tudo assim. Ele foi mesmo embora. Eu deveria ter ido com ele?”

Is someone getting the best
The best, the best, the best of you?
Alguém está tirando o melhor
O melhor, o melhor, o melhor de você?

“Não.”
“Então, porque dói tanto ter feito a escolha certa?”
“Essa dor vai passar, se você tivesse ido ela ficaria com você.”
Ela esboçou um sorriso. “Você é mesmo perfeito, Jack. Como pode ter sempre a coisa certa a dizer?” Sua expressão mudou. “Ah, não! Perdi todo o show, né?!”
“Ainda vão ter muitos pra você não perder. Mas esse baile de volta às aulas é o último, não vai querer perder isso. Vem. Vou te levar.” Eu disse me levantando e estendendo uma mão para ela.
Sally sorriu de verdade dessa vez e pegou na minha mão.
Eu não podia deixar de acreditar que em algum dia ela estaria cansada o suficiente de encontrar o cara perfeito ou de se machucar com essas paixões platônicas e olharia para mim. Não com o olhar de sempre nem com o mesmo que olho para ela, apenas que me olhasse de verdade. Tão cansada que resolvesse que eu seria o cara certo pra ela.
Por mais que eu quisesse tê-la apenas para mim, acreditei que o melhor para ela naquele momento seria curtir o baile que tanto esperou rindo das bobeiras que nossos amigos diziam.

domingo, 15 de janeiro de 2012

1- Capítulo Um

2011
I don't believe that anybody
Feels the way I do about you now
Não acredito que ninguém
Sinta o mesmo que eu sinto por você agora
(Oasis – Wonderwall)

Eu poderia ter apostado a minha vida sem medo de errar quando vi aquela sombra humana por debaixo da porta surgir logo que comecei a tocar o violão de que era a Sally.
Errei a estrofe inteira quando ela passou pela porta do meu quarto.
Antes que ela começasse a falar eu já sabia. Esbouçou um sorriso educado, olhou rapidamente para o chão e se virou para fechar a porta com demasiado cuidado.
“Ah, eu amo essa música. Tão linda...” Suspirou. “Não para, por favor, só queria poder ouvir de mais perto.”
Continuei.

There are many things that I would like to say to you
But I don't know how
Existem muitas coisas que eu gostaria de te dizer
Mas não sei como

Sally se ajeitava ao meu lado na cama.
“Tê...”
“O que houve?”
“Como você consegue não se apaixonar?”
Errei. Errei. Errei.
Ela deu uma gargalhada. “É que você podia me ensinar... Eu me apaixono por todo mundo, tem ideia do quanto isso é horrível?”
Na verdade, eu tinha sim.
“Se apaixonou por alguém?”
Ela fez beicinho. “Quando que não, né!” Disse mal humorada.
“Por quem?”
“Não... não é isso.”
Esperei.
“É que todos que me cercam eu olho e os acho interessante. Tipo... Poucas exceções, né, mas, caraca... Dá medo. Fiquei pensando nisso hoje. Sou tão fácil, Jack. Sou uma vergonha.”
Passei uma mão tirando o cabelo de seu rosto que já repousava no meu colo.
“Você não é nada disso.”
“Não é pra você me consolar. Não estou fazendo drama, juro. Eu só queria ser diferente... Única pra alguém, sabe? Só queria encontrá-lo... Eu o amaria pra sempre.”
Tive medo que Sally percebesse as batidas do meu coração acelerando, mas, talvez, eu quisesse que ela se desse conta nem que fosse só por um instante...
***
1999
“Jack querido, por que você não brinca com os seus colequinhas? Minha professora me questionou.
Não respondi.
“Jack...”
Encarei.
“Fizeram alguma coisa com você, querido?”
No jardim de infância e eu já era um problema.
Dei uma olhada na cena. Uns corriam, outros poucos estavam sentados, mas nenhum sozinho. Não encontrei o Scott. Ele deveria estar perturbando alguém. Pouco me importava. Eram todos iguais: irritantes.
“Se eles te fizeram alguma coisa, você pode me falar, querido.” A professora insistiu.
“Estou bem.”
“Tem certeza? Está tão quieto... sozinho... É só vergonha, então? Eu te levo até eles.”
Olhei novamente para os outros. Até mesmo os alunos novos já tinham feito amizades. Scott apareceu. Logo em seguida um garoto surgiu chorando, olhando para o Scott com medo. Vários alunos o cercaram, curiosos.
A professora que falava comigo estava de costas e nada via. Um monitor foi ver a criança que chorava e as outras se afastaram.
“Tudo bem... Vou te deixar quietinho, então. Sua mãe me disse que você gostava de ficar sozinho, mas achei que fosse exagero. Qualquer coisa, só me procurar, combinado?”
Ela saiu, finalmente.
Uma garota magrelinha foi até o menino que agora estava sentado distante dos outros. Ela falou. Ele falou e chorou novamente. Ela, meio sem jeito, limpou as lágrimas do rosto dele e disse mais. O menino abriu um sorriso radiante. Senti inveja.
Todos os dias que se seguiram eu passei o intervalo no mesmo lugar, afastado de todos. Mas tinha algo essencialmente diferente. Enquanto todas as outras crianças me entediavam e me irritavam facilmente, tinha aquela garota magrelinha que despertava mais e mais a minha curiosidade. Ela era diferente.
Ela sempre aparecia com um novo machucado coberto por um band-aind colorido. Foi quando vi o Scott a puxando pelo braço que descobri de onde suas feridas vinham.
E foi quando eu a vi chorar pela primeira vez que entendi que não podia mais ficar distante...
Ela estava no chão assustada.
Toquei seu ombro. “Ei, pode levantar agora. Eles já foram.”
Ela tremeu e continuou encolhida no chão.
Senti meu coração se apertar e eu sequer sabia o que isso significava...
“Eles não vão mais te machucar. Não vou deixar que te machuquem. Vou te proteger.” Notei a minha voz, que era sempre violenta, mansa.
Ela tirou o rosto do chão. Nem mesmo o tom dos seus olhos castanhos era comum. Ela me olhava como nunca ninguém tinha me olhado antes. Como se eu fosse bom... Eu desejei aquele olhar pra sempre sobre mim.
Sally Carter...
Ela me tinha aos seus pés.