domingo, 31 de março de 2013

15- Capítulo Quinze


2011

Esperei até que a Sally caísse no sono. Saí do seu quarto e encarei através da janela do corredor; Nada melhor do que encarar um ponto no vazio pra não ter que encarar a realidade. Fragmentos de lembranças se empilhavam na minha mente.

***
2000

Era natal. Vermelho e verde preenchiam todos os lugares; roupas, objetos, luzes. Queria poder estar no meu quarto tocando algumas das músicas que tinha aprendido. Lembrei de Sally dizendo que amava o Natal, era sempre divertido na casa dela. Minha mãe me deixou ir pra casa da Sally, minha vizinha, mas só depois que desse meia noite ... Estava ansioso.
Meia noite. Todos sorriam e repetiam “Feliz natal”.
Minha mãe não me desejou feliz natal; seus olhos estavam cheios d’água quando me deu um beijo na testa. “Te amo”. Alguém a chamou.
Tentava chegar à porta no meio te tanta gente e seus sorrisos.
“Feliz natal, garotão!” Alguém bagunçou meu cabelo quando disse.

Recess (Muse)
I wake to see
You are never here
Acordo para ver
Que você nunca esteve aqui


Estiquei minha cabeça e dei de cara com o maior de todos os sorrisos.
“Fugindo?”
Sorri de volta.
“Pra tirar um cara de uma festa assim só pode ser uma garota.”, continuou, “Não precisa dizer nada... mas não é bom ir de mãos vazias. Elas sempre dizem que não precisava quando recebem um agrado, mas se você não leva nada...”, me fez rir com uma careta, “Toma. Dê isso a ela. Tenho certeza de que ela nunca vai esquecer.” Colocou uma rosa em minhas mãos e sacudiu a mão nos meus cabelos novamente.

***
2011
Another year
Face your hopes and fears

Num outro ano
Encare suas esperanças e seus medos 


***
2005

“Como cresceu, Jack!” me deu um abraço forte e rápido. “Soube que gosta de tocar violão... achei que também pudesse gostar disso.” E o Diogo empurrou o meu primeiro baixo no meu colo.

There's more
Hopes that forgive

Há muito mais
Esperanças do que perdão


***
2007

Estava lendo numa das salas de casa. Diogo se atirou no acento ao me lado e suspirou. “As mulheres são os seres mais fascinantes do mundo. Com a mesma habilidade que elas salvam a nossa vida, elas destroem. Sabe, eu mesmo gosto de dizer que nunca amei nenhuma ou que amo a todas... Mas existe uma que até hoje consegue me tirar o fôlego. E não são seus lindos par de olhos. Ela é a mais fascinante de todas... Eu sei tudo sobre ela e mesmo assim ela continua sendo um mistério pra mim. Ela NUNCA vai poder ser minha e há muito tempo já me convenci de que é melhor assim.”
Ele cambaleou um pouco no assento tentando olhar pra mim. Apertava e arregalava os olhos. Não consegui segurar o riso. Ele sempre me fazia rir. Eu realmente gostava quando ele resolvia aparecer.

Are but truce absurd
Há um descanso ridículo

O cheiro forte da bebida me fez torcer o nariz numa careta.
“Tá, tá...” Diogo balançou as mãos. “Sei que estou bêbado, mas eu sei muito bem o que estou falando. Pode rir se quiser, mas ouça bem o que vou te dizer agora. O tempo passa muito rápido e às vezes a gente acredita estar tão certo sobre o que queremos pra nossa vida... Conhecer uma pessoa, amá-la e ser amado de volta. Isso só aconteceu uma vez na minha vida e sei que nunca mais vai se repetir, de fato porque meu coração continua sendo apenas dela. O que quero te dizer é que o que é raro precisa ter o valor de raridade atribuído; Porque tem gente que passa uma vida inteira sem nem esbarrar em algo assim. Eu amo a minha vida de liberdade, amo de verdade e amo tanto que não sei viver de outra forma, não me encaixo em outro tipo de vida. Mas não tem um dia que passe sem que eu sinta a falta dela. Escolhas... é disso que a vida é feita. Cuidado com as que faz, jovem...” e apagou no meu ombro.
Fiquei imaginando quando o veria de novo. Em pensar que em quatro anos eu bateria a porta na sua cara.

And you kissed my life
E você tocou levemente a minha vida


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

14- Capítulo Quatorze


2011
Há muito tempo eu não sentia tanta raiva de mim assim e Sally já estava longe demais para que eu a alcançasse. Olhei dentro dos olhos daquele homem parado a minha frente.
“Acho que chegamos numa péssima hora.” O rapaz que o acompanhava comentou.
“Jack...” O homem abriu um sorriso. “Eu te daria um abraço agora se não estivesse encharcado de suor. Podemos entrar? Sua mãe está? A viagem foi longa...”
Ainda de costas pra porta voltei meus passos para o interior da casa e sem tirar os meus olhos dos olhos dele fechei a porta.
“Ele é sempre simpático assim?” Ouvi o rapaz perguntar.
No caminho para o meu quarto vi o Mordomo.
“Tem alguém na porta.” Comuniquei.
Da janela do meu quarto fitei a janela do quarto de Sally a poucos metros de distância de mim. Imaginei-a sentada na cama chorando e me odiando.
Por quanto tempo estávamos enamorados? E eu já tinha posto tudo a perder. Talvez eu tivesse mesmo precipitado as coisas.
Bateram na porta do meu quarto.
“Jack? Posso entrar? Precisamos conversar...” Minha mãe falou do outro lado da porta.
Eu realmente não queria conversar com ela, ainda mais por saber bem qual seria o assunto.
“Filho...” Insistiu. “Também não gosto disso, mas dê uma chance a ele...”

Sitting, Waiting, Wishing (Jack Johnson)
But Lord knows that this world is cruel
and I ain't the Lord, no I'm just a fool
Mas O Senhor sabe que este mundo é cruel
E eu não sou o Senhor, não, sou apenas um tolo

Pendurei-me na janela e desci do segundo andar. Caí rolando pelo gramado, como quando era criança.
Pequei meu celular e chamei pela Sally.
“Me atende, me atende, por favor.” Pedi baixinho.
“Oi...” Ouvi sua voz cansada do outro lado da linha.
“Sally!” Pulei os muros que separavam nossas casas. “Eu quis tanto fazer tudo melhor pra você que acabei estragando tudo. Me perdoa. Me dá outra chance. Me deixa te ver, conversar pessoalmente.” Pedi ainda arfando por causa da escalada.
“Não. Fala agora. Ainda estou irritada, não vou conseguir te ver assim.”
“Justo.” Pensei por onde começar. “Estava esperando te pedir em namoro numa das apresentações da banda. Queria fazer algo especial e inesquecível.”
Sally me interrompeu. “Você me conhece desde sempre, Jack! Sabe muito bem que não ligo pra essas bobeiras.”
“Sei que não, mas você merece o melhor...”
“Jack, tem ideia do quanto esse seu comportamento me deixou confusa? Era só ter me dito então. Qualquer sinal de que... Ah! Mesmo assim! Você sabe o que eu penso sobre viver o momento e fica deixando as coisas pra depois justo comigo. Quer me enlouquecer, só pode!”
“Me dá outra chance?”

Oh, Maybe you've been through this before
But it's my first time so please ignore
The next few lines cause they're directed at you
Talvez você já tenha passado por isso
Mas é minha primeira vez, então, por favor ignore
Os próximos versos, porque são direcionados para você

“Tem certeza que está me contando tudo? Era só isso mesmo? Não tem nada te incomodando? Está mesmo tranquilo com nós dois juntos? Tem certeza de que quer isso? Juro que se você estiver achando que era melhor antes vou respeitar, vou te entender sem criar caso. A gente finge que nada aconteceu e fica tudo bem. Pensa direitinho, só não mente pra mim. Não tenta me proteger de bobeira.”
“Não. Não tenho nenhuma dúvida.”
“Hum...” Ela disse não muito convencida. “Ok então.” Seu tom de voz ficou mais suave.
“Posso ficar com você agora?”
“Não quero que você me veja do jeito que estou.” Disse chorosa.
“Amor... Por favor?” Pedi.

Must I always be waitin', waitin' on you
Must I always be playin', playin' your fool
Será que preciso sempre esperar por você?
Será que preciso sempre bancar o bobo por você?

“A porta não está trancada. Só subir. Estou no meu quarto.”
Antes que ela terminasse de falar eu já estava subindo as escadas. Encontrei-a de frente ao espelho enxugando as lágrimas do rosto.
“Não era pra você me ver assim. Me sinto tão boba...” Sally disse ao me ver.
Fui até ela e apertei-a em meus braços.
“Fiz um drama por nada, né? Eu sempre faço esse tipo de coisa, não consigo evitar e só vejo depois quando...”
Eu a interrompi colocando um dedo nos seus lábios. Segurei sua face envergonhada.
“Quer namorar comigo?”
Sally uniu as sobrancelhas. “Você não precisa...”
Encostei nossos lábios com a certeza de que poderia passar uma vida inteira sem encontrar uma sensação como aquela novamente. Nunca encontraria um novo primeiro beijo melhor. Nunca um tão esperado. O toque suave dos seus lábios. Seus cabelos entre os meus dedos. Seu sorriso ao desprendermos nossas bocas. Aquele momento ninguém poderia tirar de mim; nunca.

Fool, huhumm...
Bobo, huhumm...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

13- Capítulo Treze


2011

Os dias continuavam sobrepondo-se uns aos outros e eu não me importava se era segunda ou se era sexta. A noite e o dia eram a moldura que eu mal notava diante daquele sorriso perfeito... Tinha passado pouco mais de dois meses desde o início das aulas.
Eu já tinha me acostumado com a forma aborrecida que Sally sempre se despedia de mim. Mas as coisas estavam ficando mais estranhas na última semana. Ela estava sempre aborrecida.
Era final de semana e quis leva-la à minha casa em Almerim, para tocar para ela como na última vez que estivemos lá. Estávamos sentados um de frente para o outro na cama. Sally não tinha dito uma palavra em todo o caminho. Eu estava animado demais com a lembrança daquele dia para acreditar que tinha algo de errado.

Creep (Radiohead)
When you were here before
Couldn't look you in the eyes
Antes, quando você estava aqui
Eu nem conseguia te olhar nos olhos

“Tem alguma música em especial que queira ouvir?” Perguntei olhando para as cordas do meu violão.
Ela não me respondeu. Foi quando saí do meu transe de felicidade e prestei atenção na sua expressão indignada.
“Aconteceu alguma coisa, amor?” Perguntei temendo a resposta.
“Quero ir pra minha casa.” Disse rispidamente.
“Por quê? Não está gostando? Estou te entediando, né?”
Ela respirou fundo com seus olhos fechados e quando os abriu me fitou dolorosamente. Levantou da cama já pegando a sua bolsa. Pela primeira vez eu não fazia ideia do que se passava em sua mente e odiei aquela sensação.

I don't care if it hurts
I wanna have control
I wanna a perfect body
I wanna a perfect soul
Eu não ligo se isso machuca
Eu quero ter o controle
Eu quero um corpo perfeito
Eu quero uma alma perfeita

“Fala comigo, Sally... O que está acontecendo?”
Ela me olhou furiosa.
“Já entendi que está com raiva de mim... Mas precisa me dizer o motivo.”
“Tem certeza que quer ouvir?” Perguntou-me da porta.
“Claro...”
“Ok... Jack, eu não vou nunca te forçar a fazer nada que você não queira. Achei que estivéssemos na mesma sintonia, mas me enganei.”
“Como assim? O que quer dizer?”
Ela revirou os olhos e saiu pelo corredor.
Fui atrás. “Sally!”
Só consegui pará-la já quase na porta principal da casa. Tive medo que minha mãe ou o Sr. William vissem. Sinceramente, não queria que nem mesmo os empregados vissem.
Ela estava a ponto de chorar. “Só me deixa ir. Não quero discutir.”
“Você não pode sair assim. Como vou melhorar se não me disser o que fiz de errado?”

You're so fucking special
I wish I was special
But I'm a creep, I'm a weirdo
Você é tão especial
Eu queria ser especial
Mas eu sou um verme, sou um esquisitão

“Você me confunde...” Sally disse segurando os próprios ombros. “O que nós somos, Jack? Dois amigos de infância que resolveram trocar selinhos? Porque não somos namorados. E você nunca me deu um beijo de verdade. Eu sei lá o que se passa na sua cabeça e não vou forçar você a nada, mas não aguento ficar tentando adivinhar e já esperei demais você tomar alguma atitude. Você deve ter se arrependido, deve ter visto que foi uma péssima ideia ficar comigo... tudo bem! Resolvi facilitar as coisas. Tudo vai poder voltar a ser como era antes e vamos ficar todos bem.” Ela disse num tom de voz mais alto.
Então ela achava que eu tinha me arrependido?
Sally já estava com a mão na maçaneta.
“Espera, Sally! Não é nada disso!”
Ela virou o rosto esperando.
“Quer namorar comigo?” Perguntei.
Encarou-me com desprezo e saiu porta a fora.

She's running out the door
She's running out
She run, run, run, run
Run
Ela corre pela porta
Ela corre
Ela corre, corre, corre, corre
Corre...

Fui atrás, eu precisava explicar meus motivos... Mas não consegui passar mais que dois passos da porta. Dei de cara com as duas últimas pessoas que precisavam aparecer para piorar tudo.